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Bendita surdez

novembro-2016-editorial

Sei que o título é meio esquisito, embora no meu caso, tenha sua lógica, como veremos. Depois de certo tempo de vida, comecei a dar sinais de surdez. Ela, uma patologia que decreta, se a pessoa não se cuida, um afastamento da vida social. Gradativamente, tudo se torna difícil, e, quanto aborrecimento causa, por exemplo: confundir três com seis, principalmente, quando se está fazendo um negócio que envolve dinheiro. O leitor, por certo, afirmará que, nos dias de hoje, existem aparelhos auditivos que eliminam boa parte dessa restrição, colocando o “surdo” em condições de viver, normalmente. Tudo bem dirá o leitor, porém, até agora, você, ainda, não escreveu uma única palavra a respeito do título. Não é hora de fazê-lo?
Meu filho gostava de tirar um sarro da minha surdez, taxando-a de “seletiva”, isto é, só ouvia o que me interessava, o que não, eu não ouvia. Essa história tem um fundo de verdade porque quando se é conhecido como alguém que é “meio surdo”, há uma justificativa e tanto, para aceitar que certas palavras não sejam captadas. Aí está onde se assenta o adjetivo “bendita” do título, porque o deficiente tem a patologia a seu favor para escolher: ao lado da realidade (a surdez) utiliza o subterfúgio de ouvir, apenas, o que lhe interessa. Essa conduta, aparentemente hipócrita, (todos sabemos e vivemos isso) é adotada, também, pelos que ouvem, perfeitamente, e fazem “ouvidos de mercador” quando a conversa não lhes interessa. Essa conduta, além de egoísta é a maneira que as convenções sociais impõem como norma de vida. Em todas as nossas ações somos seus escravos, por mais danosas e distantes da verdade. Segue-se, ainda que pareça absurdo, que a verdade não povoa nossa conduta, não importando nem o local nem a companhia. Nossa vida está assentada em “verdades” aceitas e praticadas por todos. Para onde esse caminho nos conduzirá? Estamos caminhando para a ruína de uma civilização que se orgulha do progresso alcançado. Note-se, por exemplo, que esse tipo de progresso, apesar da proliferação de religiões, de conferências de paz, caminha celeremente para a violência. Esse modelo é vitorioso porque está, totalmente, arraigado ao nosso ego. Ele é o comandante de nossas decisões, pois afaga todas as vaidades da pessoa, colocando-a em falsos pedestais. A conclusão, porém, é simples talvez seja por isso que é difícil aceitá-la. Temos medo de viver como somos e não como essa cultura impõe. Preferimos que o mundo nos veja sempre com uma fantasia elaborada pela mentira a nos apresentar com a pureza e simplicidade de nossa verdade. Por fim, deu para entender por que o título não está cercado por aspas?

Luiz Santantonio
santantonio26@gmail.com